Esta edição do nosso Rabo de Galo devia ter sido escrita e publicada no dia 10, mas nossos editores não queriam dar a impressão de que temos a obrigação de publicar toda semana. Então deixamos para soltar essa edição especial pós-feriado da República, para comemorar 132 anos de motivos para beber.
Para você não ficar com saudade caso a gente demore ainda mais na próxima, essa edição histórica vem mais longa que aquela piauí de outubro que você ainda não leu (nem nós). Mas também deixaremos de presente nosso Twitter, porque, no Brasil, não dá pra beber só quando dá na telha dos editores, tem que beber todo dia. Segue lá: https://twitter.com/rabo_galo
Como parte de nossas comemorações, queremos exaltar o grande guardião dessa coisa pública aí que temos para chamar de nossa: o cacique de partido de aluguel. A edição será meio histórica, então vamos pegar leve nas piadas durante este túnel do tempo. E vamos tentar entender como o marreco Sergio Moro está ligado a Dom Pedro II.
Pata aqui. Boa noite, Renata Abreu, boa noite Valdemar! A filiação de Sergio Moro no partido chamado Podemos só poderia ser um festival de marcação de posição no mais absoluto vácuo. O que podemos? Tudo! E o queremos? O que é bom! E como faremos? Fazendo! E o que combatemos? O que é mau!
Como bem disse a presidenta Renata, “nós somos do tamanho dos nossos sonhos”. O tamanho dos sonhos de Renata Abreu é o tamanho da competência da 13ª Vara Criminal de Curitiba. Infinito e inexplicável.
Pata acolá. Mas o que é o Podemos e quem é sua presidente? O Podemos é basicamente um rebranding do PTN - Partido Trabalhista Nacional, que por sua vez era uma sequel do partido que elegeu Jânio Quadros, oriundo de um racha do PTB getulista. Mas antes de virar Partido Trabalhista Nacional, o PTN foi recriado em 1985 como Partido Tancredista Nacional. Tancredo, como você já deve ter feito as contas, estava morto. Se Tancredo estava vivo mesmo quando tomou posse já era difícil atestar, mas o partido tancredista nasceu com o presidente enterrado. Como Partido Tancredista, o PTN se lançou na disputa da prefeitura do Rio com Carlos Imperial.
Que um Imperial disputasse a prefeitura pelo Partido Tancredista já seria sensacional, mas para os mais novos ou que não se lembram, Imperial era literalmente Carlos Eduardo da Corte Imperial e herdou o nome do bisavô, que foi chamado “moço da Corte Imperial” pelo próprio Dom Pedro II. Mas, como dizem os bacharéis, há mais, senhores: Carlos Imperial é de Cachoeiro do Itapemirim, o que faz dele não apenas conterrâneo do rei (Roberto Carlos), como também quem o lançou na música. Imperial foi produtor, apresentador e diretor de TV, fundou o Clube do Rock, ator e diretor de chanchadas e pornochanchadas, jurado do Chacrinha, compôs para a Jovem Guarda e fez samba-enredo da Portela. Impulsionou carreiras de Elis Regina, Tim Maia, Gretchen. E, em 1985, o cafajeste resolveu culpar o rock pela AIDS, sair do PDT brizolista que o elegera vereador e se candidatar a prefeito pelo Partido Tancredista Nacional. Mais que isso, a campanha dele apostava no “vai dar zebra”. Literalmente. E xingava dia e noite Rubem Medina, do PFL e irmão do Roberto Medina do Rock in Rio. Essa eleição deu o candidato de Brizola, não deu zebra.
O PTN, que tinha como programa um compilado de frases soltas de Tancredo, levou pito do TSE por usar o morto e depois mudou de nome para Partido Trabalhista Nacional. A Wikipédia diz que o partido de hoje não tem relação com o tancredista. Mas a verdade é que o PTN Reloaded é mesmo aquele de 1985 que ficou ali no limbo dos partidos que não conseguiam registro definitivo. Depois, virou, enfim, uma cópia do PTN do Jânio, em 1995, e fez um logo com vassourinha. Até que conseguiu o registro definitivo do TSE em 1997. E quem estava por trás do velho-novo PTN? O tio de dona Renata, Dorival Masci de Abreu.
Pintou o caneco. Enquanto o tio de dona Renata tentava fundar e refundar seu partido jânio-tancredista, o pai de dona Renata, paulista, formado em Direito em Taubaté, chamado José, criou o Centro de Tradições Nordestinas. Isso mesmo, quando você acha que ao comer macaxeira na manteiga de garrafa em São Paulo você está fazendo algo trivial, zero político, lembre-se de que você está ali contribuindo para o prestígio de dona Renata. E como bom paulista, José de Masci Abreu se elegeu deputado pelo PSDB. Perdeu a prefeitura de Osasco em 1996. E o que você faz quando perde a prefeitura de Osasco? Primeiro, saiu do partido e entrou no feudo do irmão. Depois levou com ele ninguém menos que Celso Pitta, prefeito de São Paulo mais mal avaliado da história. E aí foi candidato a prefeito como sucessor de Pitta, apoiado por Pitta, em 2000. Teve 21 mil votos, menos que Enéas (meu nome é Enéas, meu partido é o Prona, meu número é 56) e Marcos Cintra (sim, esse mesmo, o do imposto único) e mais que José Maria Marin (sim, esse mesmo, o rapaz, o moço que afanou medalhas da Copinha e foi presidente da CBF depois disso). O PTN foi esse partido aí irrelevante até ser herdado por Renata.
Surrou a galinha. Como já explicamos, Renata não é exatamente alguém que se contenta com pouco. Fez o rebranding com nome de partido socialista espanhol, mas gana de campeão do mundo. Convocou Romário e Marcelinho Carioca para o partido. Depois perdeu o baixinho do tetra, mas atraiu uma constelação tão diversa que deixa com inveja até o gabinete-generalato de Bolsonaro, com seus quatro-estrelas forjados no Haiti, em intervenções federais e em treinamentos de tropa com utilidade duvidosa (tanto quanto a da missão do Haiti e das intervenções federais). Tem um coach de policial, um ex-apresentador com prótese peniana, o ex-dono de um sistema de ensino e o ex-repórter com histórico eletrizante nas festas da uva Brasil afora. É o partido pirata brasileiro, defensor da democracia direta, que mais parece mesmo uma corrida maluca. O Mutley Álvaro Dias só esperava a chegada de seu Dick Vigarista — aquele que fará de tudo para pegar o pombo.
Bateu no marreco. E assim passando por Dom Pedro II e ator de pornochanchada Carlos Imperial, pela paulistano-nordestina família Abreu, por Tancredo e por Jânio, Romário e Álvaro Dias, o Podemos chegou à voz desafinada do juiz das camisas pretas. Como antecipado por este Rabo de Galo, o marreco tem muitas propostas de uma nota só: propôs uma força-tarefa de erradicação da pobreza, basicamente uma Lava Jato da pobreza. E uma corte nacional anticorrupção, ou seja: uma Lava Jato da corrupção. Como ficou muito difícil acompanhar o discurso do eloquente, vamos resumir abaixo:
Corrupção: Mau!
Educação: bom!
Pobreza: bad!
Crime: ruim, mas corrupção é pior!
Liberdade econômica: good!
Imprensa: legal!
Violência: não legal!
Pessoas com deficiência: adoro!
Floresta: excelente!
Soberania: fundamental!
Reeleição: no good!
Lula: =(
Bolsonaro: =/
Coisas ruins: ruins!
Coisas boas: boas!
O que mais chamou a atenção no discurso de Moro foi ter defendido o fim do foro privilegiado. Primeiro, pensamos que ele pode ter perdido ali o voto do Deltan. Depois passamos a perceber que a melhor forma do Moro proteger a Lava Jato é se tornando presidente para ser preso pelo Marcelo Bretas.
Pulou do poleiro. Bolsonaro não ficou para trás. Resolveu procurar o seu próprio cacique de partido de aluguel. Sacou a única metáfora que aprendeu na quinta série e garantiu 99% de chance de casar com o Valdemar.
No pé do cavalo. Breve histórico de Valdemar Costa Neto. Filho do prefeito de Mogi das Cruzes Waldemar, com W, da Costa Filho, Valdemarzinho sempre foi chamado pelos amigos de Boy. O Boy tinha 19 aninhos quando o pai foi prefeito pela primeira vez, pela Arena, e era um jovem de 52 quando papai deixou a prefeitura pela última vez. O pai construiu a Mogi-Bertioga, em dobradinha com o amigo Paulo Maluf — olha só mais uma coisa em comum com Renata: além de ser dono de partido de aluguel, os dois são, de certo modo, netos do malufismo. O pai do Boy, o Boyzão, virou uma lenda dos construtores.
Levou um coice. O Boy fez a carreira habitual do político de sucesso: chefe de gabinete do prefeito (o pai), secretário municipal (no governo do pai) e, com esse extenso currículo, foi indicado para diretoria da Companhia Docas do Estado de São Paulo. Festeiro, foi na sua primeira legislatura como deputado federal que o Boy alcançou a fama nacional no carnaval do Rio: ele foi o responsável por levar ao camarote do então presidente Itamar Franco a jovem Lilian Ramos, que gerou uma crise de moralidade ao ser fotografada, ao lado do cortejador Itamar, sem calcinha. Bons tempos esses em que as crises políticas importantes de um governo consistiam num presidente solteiro ser fotografado na Sapucaí ao lado de uma moça sem calcinha. A inflação estava em 40% ao mês, mas o problema mesmo era o atentado ao pudor. O ministro Maurício Corrêa, amigo de Itamar, saiu do governo por ter se embriagado na Sapucaí.
Bebida e um flagra sem calcinha pareceria censura livre perto dos escândalos seguintes protagonizados pelo Boy.
Comeu um pedaço de jenipapo. O Boy sempre teve uma vida de bon vivant. Namorador, ele tem no currículo processos de duas ex-mulheres. A mais famosa, Maria Christina, se casou com ele em Las Vegas e era anfitriã dos cafés da manhã diários com deputados em sua mansão no Lago Sul. Mas ficou famosa mesmo quando apareceu em Brasília no meio da CPI do Mensalão dizendo que nunca sabia o que era mensalão, mas quando ouviu a primeira vez teve certeza que Valdemar recebia, sim! Entre os muitos motivos que azedaram a relação do Boy com a ex, destacam-se:
Uma outra ex-namorada dele, uma colunista social de Brasília, relatou que pegou HPV do Indicador-Geral do Ministério dos Transportes.
Em meio ao processo de separação, ele mandou cortar a luz da mansão do casal para obrigar a mulher a sair de casa, enfim.
E ele teria saído de casa sem avisar, só deixou recado com a empregada e depois mandou alguém buscar o cofre.
Ficou engasgado com dor no papo. Outro casamento do Boy que não terminou muito bem foi o que ele combinou com Zé Dirceu: basicamente um casamento arranjado entre Lula e José Alencar. Quer dizer: Lula e o mineiro quase homônimo do escritor romantista até ficaram 8 anos juntos, e Valdemar nunca deixou de indicar o ministro dos Transportes. O problema é que os sogros foram parar na cadeia — com a ajuda de Maria Christina.
Caiu no poço / Quebrou a tigela. Quem acha que foi Maria Christina que levou a melhor, saiba que ela hoje é motorista de Uber em Miami. Aluga um apartamento no Brickell por US$ 1,4 mil, mas tem nota 4,92 no aplicativo e ainda leva o cachorrinho no banco da frente.
Tantas fez o moço. Ainda não sabemos se Bolsonaro foi informado do histórico de Valdemar com as ex. A julgar pela carta branca que os líderes do PL deram ao Boy para negociar a filiação do capitão, o casamento sai de qualquer jeito e o dote a gente vê depois. Mas é bom lembrar que pior do que não se casar é se tornar ex dele. A dúvida é se Bolsonaro já não pegou uma espécie de HPV eleitoral do PL — essa doença boba, que não mata ninguém, mas passa pra namorada e baixa nossa imunidade em ano de crise econômica.
Que foi pra panela. Como o Brasil é o país em que humorista casa com a piada, que também era ministra da Economia e por sua vez namorava o ministro da Justiça; é o país onde professor de história vira sociólogo de baixo nível e piadista vira historiador ruim, a melhor piada que vamos colocar no Rabo hoje é do cientista político Sérgio Abranches: como ele explicou na CBN, a carta branca na mão de Valdemar a um ano da eleição vale exatamente aquilo que está escrito nela.
Correio elegante. A autobahn eleitoral virou palco do Romeo+Juliet tupiniquim. O Márcio Cuba soprou a ideia no ouvido de Lula e telegrafou uma nota para Mônica Bergamo sobre um affair entre Alckmin e Lula. O casamento não agrada o eleitorado de ninguém e não falta Mercutio para lançar “a plague on both your houses”. Spoiler, caro leitor: não se apresse a xingar o casal, que no fim é você quem morre por esse ship antes deles próprios — e antes, bem antes, do Frei Lourenço reencarnado em Márcio França.
Lula ao ponto e chuchu temperado. Dr. Geraldo se sentiu “honrado” com os rumores, e Lula decidiu declamar um soneto nunca antes visto na história destepaiz.
PS. “Profundo respeito” é aquela frase coringa do político: serve para cumprimentar os companheiros, mas especialmente para sabonetar de um tema traiçoeiro contra um adversário.
PS 2. Lula tem com a metáfora do futebol o mesmo problema que Bolsonaro tem com a metáfora do casamento. Eles não conseguem parar de usar e elas explicam cada vez menos o que eles querem dizer.
Megazord. Este Rabo de Galo tem dúvidas sobre a quebra do clássico desfecho do drama de Shakespeare. Apesar dos afagos, Alckmin está de olho mesmo é no conforto de sua saudosa sala no Palácio dos Bandeirantes, apesar de Doria tê-la transformado em ambiente mais macabro que tumba florentina — e também mira a oportunidade especial de dar o troco no gestor-calça-apertada. Para mostrar que a vida cobra, por enquanto está fechadíssimo com Kassab, o Puppetmaster Geral da República, Datena e Cuba. Mas, a um ano da eleição, as promessas de amor eterno não duram até o próximo Datafolha.
Déjà vu. Apareceu o Posto Ipiranga da vez: é Affonso Celso Pastore. O Posto BR é um fit perfeito para o cargo: assim como Moro, é marginalmente mais preparado do que o incumbente, mas ainda nutre o mesmo apreço incidental pelo autoritarismo. No portão de embarque da candidatura, já fizeram check-in os traders médios não-bolsonaristas da Faria Lima, os lavajatistas (uma espécime rara atualmente), e, é claro, Diogo Mainardi. Apesar do quórum baixo, se depender das notas publicadas por Diogo, Moro já é presidente na Itália.
Gesso rebaixado. A PEC dos Precatórios era aquela ideia que, como diz a doutora, “já tava bom. Diz que ia mudar ainda pra melhor. Já não tava muito bom. Tava meio ruim também. Tava ruim. Agora parece que piorou”. Mas sempre pode ficar pior. Não bastasse destruir o teto, agora a ideia é criar um subteto para os precatórios.
Não é mais a PEC do Calote. É a PEC do Calote líquido e certo. A PEC do Calote público, gratuito e universal para todas e todos. Vamos colocar na Constituição o calote como direito. Se passar de um valor, não só o governo vai poder não pagar como ele será obrigado a não pagar. É sobre isso. E tá tudo bem.