O corno manso ganhou mais um chifre. E o fez saboreando o mais autêntico suco de Brasil.
Devo, não nego, pago quando puder. A jornada começa com os precatórios, uma aberração jurídica tão grande que não poderia ter outra progenitora senão a Pátria Amada. Estavam previstos nos estudos do Orçamento R$ 54,7 bilhões em precatórios. A estimativa atualizada de 89,1 bilhões chegou ao todo-poderoso relator do Orçamento como uma notícia amarga.
Mas Brasília sabe, ao seu modo, transformar o limão numa limonada (ou numa caipifruta: com limão, pinga barata e leite condensado).
Seleção. Entram no jogo todos os camisas 10 da Praça dos Três Poderes. De um lado, Guedes, Gilmar e Lira tentam organizar eine grosse Konfusion constitucional para desarmar a bomba. Fux joga fora de casa, onde tem mais habilidade, e costura uma interpretação jabuticabesca do teto de gastos no CNJ para estancar a sangria.
Artilheiro. No fim, quem está chutando para o gol é Hugo Motta, uma espécie de supertrunfo da política de Patos, no sertão da Paraíba. Herdeiro dos clãs Motta, Wanderley e Nóbrega, ele tem sobrenome de três das quatro famílias que se alternam no poder na cidade – desde os anos 50, 17 vezes os prefeitos de Patos foram Nóbrega, Wanderley, Motta ou Medeiros. O avô paterno, a avó materna e o tio-avô por parte de mãe de Hugo já comandaram a prefeitura. Hoje o prefeito é o pai.
Seu lance é a PEC dos Precatórios, aquela que não é calote, pelo contrário, ela inclusive reconhece a dívida e explica que vai pagar quando puder. Game changer1.
Oportunidade. O governo se animou com a ideia do não-calote, e até aproveitou para reduzir a conta do ano para 35 bilhões – ou seja, o governo daria calote até em parte do que já estava previsto.
Comentário nº 1. Quando algo é dito negando uma possibilidade que ninguém cogitava antes dela ser dita, quer dizer exatamente o que nega. Nenhuma PEC antes na história destepaiz foi criada para dar calote (e oportunidades não faltaram: já são 111 emendas constitucionais em trinta anos). A PEC que precisa dizer que não está dando calote...
Errata. Desculpem a ingenuidade. O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias já previa um calote ao possibilitar a postergação de pagamentos de precatórios em oito anos. A EC 30, a EC 62, a EC 94, a EC 99 e a EC 109 já previram calotes em precatórios. Quem acha que o Brasil não tem instituições sólidas, não conhece o rabo de galo, o Refis e o calote de precatórios.
Para completar, a ideia do governo era usar essa folga no caixa para pagar um gasto social, o Auxílio Brasil – que é basicamente um Bolsa Família Tradicional Brasileira, menos focalizado, menos eficiente e que deve mais que dobrar os gastos – com o PL da reforma tributária em fatias que alterava o imposto de renda.
Panaceia. A reforma do IR é um dos primeiros projetos de reforma tributária da história que garante beneficiar todo mundo: tirar imposto dos mais pobres, da classe média, das empresas, das pessoas físicas, não impactar a arrecadação de estados e municípios, servir como fonte para aumento de programas sociais federais e ainda assim reduzir carga tributária. Bom demais pra ser verdade? A depender da conta e do alinhamento dos astros, ele reduz a arrecadação em 30, 41 ou 47 bilhões de reais em 2022. Ou seja: o governo queria porque queria pagar um gasto social com um projeto que nem se paga sozinho.
Disrupção. Na verdade, o projeto era mesmo para o Pedro Malan ver. Com uma mistura de incompetência política, jeitinho brasileiro e apetite para gastos, saiu na proposta do Orçamento a Rising Star da contabilidade criativa: o projeto de lei como fonte de receita.
Com jeitinho a gente consegue. Como o projeto empacou mesmo prometendo beneficiar todo mundo, e o calote sozinho não cobre os gastos do ano que vem, chegou aquele momento do ministro mais liberal da história dar aquele conselho sagaz:
Não peça permissão, peça um waiver!
Pois bem, o ministro pediu, mas o Tesouro não gostou – depois de três anos resolveram não se misturar mais com essa gentalha (imagine como funciona a cabeça do técnico que passou a pandemia inteira em Brasília e pensou: “até aí, tudo bem! Mexer com o teto de gastos, aí também não”). Alguns dias depois de ter disparado umas indiretas numa live de banco de investimentos – uma louvável inovação institucional em nossa trajetória patrimonialista –, Bruno Funchal pediu a conta por “motivos pessoais”. Caíram também o secretário do Tesouro Nacional e os respectivos secretários adjuntos. É tanta gente com motivo pessoal no mesmo prédio da Esplanada que a gente chega a pensar se o Paulo Guedes tem mau hálito. O dono da offshore assumiu o chifre, mas quem paga o pato – inclusive o da Fiesp – é você.
Era uma casa / muito engraçada... Há quem ache que seria horrível não ter um teto de gastos. Ao criar um teto e ao mesmo tempo tratá-lo como um vaidoso bilionário tripulante de missão espacial, o Brasil deu sinal inequívoco de compromisso com suas instituições: criou um Serasa para colocar o próprio nome na lista. Teto aqui é como meta. A gente deixa aberto, mas se bater, a gente dobra.
Os últimos anos foram uma espécie de Programa de Aceleração do Envelhecimento do Felipe Salto, uma espécie de babá eletrônica do Orçamento, diretor da Secretaria Geral de Vai Dar Merda. Num Salto para o futuro, o Felipe deve ter ganhado uns trinta anos em três. Bem, pelo menos fez menos estrago do que o PAC.
Mas fiquem tranquilos. Lula vem aí e ele já pediu um auxílio de 600 reais. O Márcio Pochmann certamente vai saber como pagar.
Long BRL. O careca do Goldman ainda não entendeu nada sobre Terra Brasilis: acha que o velório do teto de gastos não é notícia. Aqui, a banda toca em outro ritmo.
Robin não é ninguém sem o Batman. Apostando assim no BRL, vai terminar o ano brookes.
Comentário nº 2. Em terra onde até o passado é incerto, notícia não precisa ser novidade.
P.S. do Comentário. A frase de que “até o passado é incerto” no Brasil é atribuída ao Pedro Malan, mas pode ter sido dita por Gustavo Loyola, ou por qualquer um. Autoria de aforismos é fato do passado.
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Tem. Algodão.
É o que acha o Sachsida. Sério. https://www.gov.br/economia/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/boletim-macrofiscal/2021/boletim-macrofiscal-setembro-2021.pdf/view